Não é incomum ocorrerem discussões fúteis no trânsito. É o indivíduo que teria “fechado” outro motorista. É a buzina, a pressa. É aquele (a) que pára em fila dupla. É ônibus que vem em direção ao veículo de menor porte; é a moto que passa “zunindo” a “meio” dedo do retrovisor, é o medo de quem se aproxima a pé ou de moto, com pano ou sem pano, tudo assusta nos dias atuais. Contudo nada se iguala à brutalidade de acionar o gatilho da arma. E mais ainda quando se atinge uma criança de apenas dois anos. E isto ocorreu.
Era quase Natal e a família saiu de casa. Era o ano de 2009 e o fato aconteceu em Campo Grande (MS). Nestas ocasiões muitos familiares saem às compras. E não foi diferente. O tio, o avô, o pequeno Rogério de apenas dois anos e sua irmã com então cinco anos de idade buscavam, entre outras providências, adquirir brinquedos.
A mãe de Rogério encontrava-se em outro local para adquirir árvore de natal, além de bolas coloridas e outros enfeites que embelezam a mais bonita das árvores natalinas: A de quem compra. Tudo para que seus filhos mais alegres estivessem no Natal.
Em outro ponto da cidade o jornalista Aguinaldo Ferreira Gonçalves, 62 anos, dono do semanário Independente se dirigia a algum lugar que, poucos minutos depois, quis o destino, se encontraria com aquela família.
E a família continuava em seu passeio. Todos alegres. O pequeno Rogério, curioso, olhava a cidade por sua televisão: Os vidros da janela da caminhonete de seu tio. Gente colorida andando de um lado para o outro; malabares acionados por aquela galera engraçada, um no “cangote” do outro; tudo parecia o desenho animado dos programas infantis que tanto apreciava. Estava feliz. Ria.
Sua irmã ria de tudo e dele, Rogério.
Mas algo terrível iria acontecer que mudaria para sempre a vida daquelas pessoas. E não demoraria muito.
É que após desentendimento por conta de suposta “fechada” o jornalista, ao discutir com o tio do garoto Rogério, que dirigia o veículo, empunhou arma de fogo e atirou, segundo disse à polícia, “quatro ou cinco vezes” na direção do veículo, a caminhonete em que se encontrava Rogério. E um tiro certeiro atingiu a cabeça do menino. Seu sorriso estancou e para sempre.
O jornalista Gonçalves fugiu do local do crime rapidamente, mas se apresentou à polícia no mesmo dia.
Preso até fevereiro de 2010 conseguiu livrar-se do xilindró, enquanto aguardava julgamento. Porém cometeu o erro de mudar-se para São Paulo sem comunicar a Justiça de Mato Grosso do Sul, em conseqüência teve o habeas-corpus revogado e voltou a usufruir da hospitalidade do hotel muitas grades, com alimentação de primeira, ao lado do vaso cheiroso e a dormir no colchão ortopédico quebra ossos. O cara não é sangue bom.
Um sujeito que atira em direção a uma caminhonete com diversas pessoas pode alegar que não viu o pequeno Rogério? Em tese até pode, mas difícil “engolir”. E “viu” os outros?
E assim agiu Gonçalves ao afirmar que não queria matar ninguém. E que não havia visto a criança sentada na parte traseira do veículo. Na reconstituição do crime, porém, ficou comprovado que era possível que o jornalista enxergasse todos os ocupantes da caminhonete. Rogério foi atingido na cabeça e morreu horas depois. Seu avô, Paulo Afonso Pedra, foi baleado no rosto.
O jornalista foi a júri popular[1], que é o adequado para o crime do jornalista.
Ele pegou 14 anos, cinco meses e nove dias de prisão, mais 10 dias de multa (meio salário mínimo cada dia), por homicídio simples e tentativa de homicídio contra o tio, o avô e a irmã do menino, então com 5 anos, que estavam no carro com a criança, além de porte ilegal de arma.
A defesa tentou desqualificar as tentativas de homicídio contra a irmã de Rogério e seu tio Aldemir, que não foram atingidos pelos disparos. Porém, o júri composto por quatro mulheres e três homens entendeu que os tiros disparados por Gonçalves poderiam ter atingido também os demais ocupantes do veículo.
Pelas circunstâncias do crime, de forma fútil, com possibilidade de tragédia maior, não houve a mínima tentativa de minimizar o resultado, ao se examinar a pena até o advogado do criminoso afirmou, "A decisão foi favorável. Eles queriam que o réu fosse condenado a uma pena de 30 anos (Pena máxima a ser cumprida no Brasil), que seria uma verdadeira pena de morte. Após um sexto da pena, ele poderá voltar para sociedade, cuidar da sua família, cuidar dos seus negócios. Vou respeitar a decisão da população de Campo Grande, não vou recorrer do mérito, mas sim das questões técnicas". Pode?
O jornalista Gonçalves ficará preso em regime fechado no centro de triagem do presídio de Campo Grande. Todavia, poderá ir para o regime semiaberto (Sai durante o dia e retorna à noite) em seis meses, uma vez que já cumpriu um ano e seis meses de prisão e chegará a um sexto da pena.
Daí a razão de condenar-se a cem ou duzentos anos. Exatamente para que os benefícios acima expostos sejam em razão da pena total. Assim, 1/6 de cem anos é pouco mais de dezesseis anos. Demoraria para o jornalista sair de suas férias forçadas no hotel muitas grades. Imagine a dor e frustração dos familiares de Rogério. Algo precisa mudar.
[1] Cf. art. 439 CPP – Código de Processo Penal o juiz-presidente do júri alistará anualmente entre 80 e 500 jurados, de acordo com a comarca para futuras convocações. Cf. art. 442 do CPP no dia e hora do júri haverá uma urna com os nomes dos 21 jurados sorteados e o escrivão fará a chamada. Se houver 15 jurados será instalada a sessão, mas o juiz deverá sortear outros até completar 21, cf, art, 445, caput. Após, cf art. 457 haverá o sorteio de 7 jurados presentes para formação do conselho de sentença. As partes poderão impugnar até 3 jurados. Depois disso os sete jurados decidirão a sorte do acusado, se culpado ou inocente, mesmo sem unanimidade. O juiz determina a pena.
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