quinta-feira, 1 de março de 2012

Xilindró para idosa de 74 anos – Não pagou os alimentos aos netos



A lei brasileira dispõe sobre quem deve pagar alimentos. E os avós são devedores na falta de seus filhos, os pais. E assim ocorreu com idosa em Vianópolis, interior de Goiás.


Em decorrência de seu filho estar desempregado a justiça determinou que sua mãe de 74 anos fosse a responsável pelo adimplemento daquela pensão, consoante a legislação nacional.


Ocorre que por incapacidade financeira aquela senhora não conseguiu honrar o pagamento das parcelas da pensão alimentícia de seus netos e a “justiça” decretou sua prisão. Perigoso manter uma “contumaz” devedora no seio de nossa sociedade.


Claro que tal situação merece, antes de mais nada, reflexão sobre situação tão grave. De um lado, o alimentando (alguém que o contribuinte não tem a guarda, mas paga pensão alimentícia) necessitado e de outro o alimentante sem condições mínimas de sustentá-lo. E como fica? A lei é dura, duralex.


Para entendimento mais adequado cabe pequeno “passeio” por nossa legislação.


A Convenção Americana de Direitos Humanos, o chamado Pacto de San José da Costa Rica,[i] tratado internacional de 1969 da Organização dos Estados Americanos (OEA), que vigora no Brasil por meio do Decreto nº 678/1992, proíbe, em seu Artigo 7.7, qualquer espécie de prisão decorrente de dívida, com a exceção do inadimplemento de obrigação alimentar.


Com a EC - Emenda Constitucional nº 45/2004 acrescentou-se o § 3º ao art. 5º da CF, dispondo que "os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais".[ii] Em outras palavras, tais tratados, desde que internalizados no Brasil desse modo, têm força de emenda constitucional, e não de lei.


No entanto, a CF permite a prisão civil do depositário infiel e do devedor de pensão alimentícia, mas um tratado internacional firmado pelo Brasil admite essa modalidade de prisão somente para o segundo, qual regra deve prevalecer, se aquele tratado não foi recebido como EC.


O Pleno do Supremo Tribunal Federal (STF), de forma unânime, decidiu não ser possível, no Brasil, a prisão do depositário infiel (em qualquer modalidade de depósito), diante da interpretação da Constituição em relação ao Artigo 7.7 da Convenção Americana de Direitos Humanos. Recurso Extraordinário nº 466343/SP.


A execução da prestação alimentar segue as regras dos arts. 732/735 do Código de Processo Civil, sendo a prisão cabível quando o devedor não efetuar o pagamento e deixar de justificar sua inadimplência.


É que a necessidade de sobrevivência do alimentando (direito à vida) prevalece sobre o direito à liberdade do devedor-alimentante. Sopesam-se os direitos.


Percebe-se que para decretar a prisão deve o juiz observar as regras dos arts. 732/735 do Código de Processo Civil, especialmente o art. 733, in verbis


Art. 733.  Na execução de sentença ou de decisão, que fixa os alimentos provisionais, o juiz mandará citar o devedor para, em 3 (três) dias, efetuar o pagamento, provar que o fez ou justificar a impossibilidade de efetuá-lo.
        § 1o  Se o devedor não pagar, nem se escusar, o juiz decretar-lhe-á a prisão pelo prazo de 1 (um) a 3 (três) meses.
        § 2o  O cumprimento da pena não exime o devedor do pagamento das prestações vencidas e vincendas. (Redação dada pela Lei nº 6.515, de 26.12.1977)
        § 3o  Paga a prestação alimentícia, o juiz suspenderá o cumprimento da ordem de prisão.

É de notar-se que a prisão é a ultima ratio. Antes há de examinar-se a real situação da inadimplência. E isto ocorre? Não.


E o que pode fazer uma senhora de 74 anos pobre e que aufere renda inferior à metade do atual salário mínimo, segundo noticiou a imprensa? Nada.


E o que deve fazer o juiz? Ponderar, como qualquer ser humano provido de cérebro, um pensante.


Um magistrado que examina o caso apenas sob o ângulo legalista, do rigor da lei, quando examina um fato dessa natureza, sem “espiar” a repercussão futura não pode continuar na magistratura.


E quando sequer observa que a lei ainda tolera que o inadimplente faça prova de sua total incapacidade financeira, ou de um mínimo existencial que regula a capacidade contributiva de cada cidadão, mais ainda deve ser eliminado da magistratura que, antes de tudo, antes mesmo do texto legal, deve estudar o caso com sentido humano, especial como requer a situação objeto desse artigo.


Sem isso, perde o encanto do magistrado e apenas permanece juiz. E até no futebol dizem que tem.


Somente após um vizinho mobilizar a população de Vianópolis, a fim de arrecadar o valor da pensão devida, é que aquela senhora foi solta.



[i] Tratado é espécie de contrato em que os países signatários concordam em adotar regras de direito e que faz lei entre as partes e podem adotar penalidades pelo não cumprimento. Depende, muitas vezes, da ratificação dos Congressos de cada país.


[ii] Um sonho que o ilustre professor e jurista Dalmo Dallare, que defendeu durante anos que os tratados que tratassem de direitos humanos ingressassem no sistema jurídico nacional como Emendas à Constituição, ainda pode “ver” vivo e em plena atividade, apesar dos muitos anos vividos.

3 comentários:

  1. Não sabia, e acho que a maioria não sabia, que o devedor pode explicar sua situação. Acho que somente o pessoal do jurídico sabe.

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  2. Cada vez mais aprendo. Não sabia nada disso.

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  3. É difícil compreender esta situação.

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