sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

E se a empresa der uma “olhadinha” no SPC antes de contratar. Pode?


O G Barbosa em Aracaju antes de contratar o colaborador examina a vida do sujeito. Consulta o SPC, a Polícia, o Serasa e o Poder Judiciário em busca de eventuais “deslizes”.
Ocorre que esta prática não parecia condizente com os princípios das relações de trabalho.
Tudo se inicia em 2002, quando houve denúncia junto ao Ministério Público do Trabalho, na qual se dizia que aquele futuro empregador agia de forma discriminatória ao não contratar pessoas que, mesmo satisfazendo os requisitos para admissão, tivessem alguma pendência no SPC.
Um inquérito foi aberto e, na audiência, a empresa se recusou a assinar TAC (Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta)[i] para se abster de fazer a pesquisa.
Sem acordo, não restou outra solução ao MPT, senão o ajuizamento da ação civil pública.
A empresa foi condenada em primeira instância ao pagamento de indenização no valor de R$ 200.000,00, a título de dano moral coletivo[ii], além do valor de R$ 10.000,00 por cada consulta realizada. Muito, não?
Inconformada, a Ré ingressou com recurso ao TRT-20, Sergipe, cuja alegação seria levar em consideração a conduta do indivíduo e se justifica, segundo a ótica do empregador, pela natureza do cargo a ser ocupado, não se caracterizando discriminação de cunho pessoal, que é vedada pela lei.
Argumentou ainda a Ré que atua no ramo de varejo e também com a concessão de crédito, mas não coloca obstáculo à contratação de empregados que tenham seu nome inscrito no SPC, mas evita destiná-los a funções que lidem com dinheiro, para evitar delitos.
É dizer que o indivíduo que “passou” cheque sem fundos o fará de novo, sem dúvidas. Não mais será possível usar o cheque, por este raciocínio. Óbvio que há discriminação.
O TRT-SE julgou improcedente a ação civil pública, destacando que, na administração pública e no próprio processo seletivo do Ministério Público, são feitas exigências para verificar a conduta do candidato. Nesse sentido, ressaltou que a discriminação proibida pela Constituição é a decorrente de condição pessoal - sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar ou idade-, que teria origem no preconceito. Ao contrário, a discriminação por conduta individual, relativa à maneira de proceder do indivíduo em suas relações interpessoais, não é vedada por lei.
 
Em continuidade, o Tribunal indicou exemplos literais, segundo afirmou, na Constituição de discriminação quanto ao conhecimento técnico-científico (qualificação) e reputação (conduta social) quando exige, para ser ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) ou de Tribunais Superiores, cidadãos de notável saber jurídico e reputação ilibada. Essas exigências não são preconceituosas e se justificam pela dignidade e magnitude dos cargos a serem ocupados, porém, não deixam de ser discriminatórias.
E a 2ª Turma do  TST (Tribunal Superior do Trabalho) rejeitou apelo do MPT (Ministério Público do Trabalho da 20ª Região), em Sergipe, para impedir que a rede de lojas de Aracaju consultasse SPC (Serviço de Proteção ao Crédito), Serasa (Centralização dos Serviços Bancários S/A), órgãos policiais e do Poder Judiciário antes de contratar funcionários. Quer dizer, pode.
Ao examinar o caso no TST, o relator do recurso de revista, ministro Renato de Lacerda Paiva, frisou que os cadastros de pesquisas analisados pela G. Barbosa são públicos, de acesso irrestrito, e não há como admitir que a conduta tenha violado a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas. Destacou também que, se não há proibição legal à existência de serviços de proteção ao crédito, de registros policiais e judiciais, menos ainda à possibilidade de algum interessado pesquisar esses dados.
Data vênia, não há se concordar com esta posição do TST. Ao mencionar ilibada reputação não parece que a CF esteja a examinar SPC ou Serasa. Talvez o Poder Judiciário. No entanto, não se deve olvidar que somente agora, mais de trinta depois, é que o STF, instado, julgou a chamada “ficha limpa”. E exagerou, porquanto até débito com órgão de classe, OAB, p.ex. pode excluir o indivíduo das eleições.
Durante todo aquele tempo deputados, senadores e até presidentes, se existiram problemas naqueles órgãos, puderam ser eleitos sem restrições.
Salvo melhor juízo, esta prática fere flagrantemente a dignidade da pessoa. Se o sujeito possui débitos não honrados não induz ninguém a pensar que irá se locupletar de dinheiros alheios.
As restrições impostas pela legislação administrativa ou constitucional quanto aos cargos públicos tem, em parte, sua origem em dinheiros dos contribuintes e não se poderia admitir um Procurador ou Juiz, sendo processado por um crime de roubo, furto ou homicídio.
Ora, se há enorme esforço para se reconduzir o sujeito que cumpre sua pena de volta à sociedade não pode, entende-se, que o judiciário trabalhista permita esta conduta, na contramão do respeito ao cidadão.
Talvez ainda caiba RE-recurso extraordinário perante o STF.  Aguarde-se o desfecho. Número do Processo: RR-38100-27.2003.5.20.0005.





[i] Ao examinar a situação o MP pode, antes de ajuizar ação, oportunizar ao suposto infrator a possibilidade de adequar-se à situação que entende correta, mediante certas condutas de fazer ou não fazer.
[ii] A “bufunfa” vai para os cofres do Estado.


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