Persiste a greve e com ela a insegurança, a angústia, a aflição, o medo. Parece a música de Raul Seixas o dia em que a Terra parou. Esta noite tive um sonho de sonhador, dizia o maluco beleza.
E mais disse, o empregado não saiu para seu trabalho, pois sabia que o patrão também não estava lá. O aluno não saiu para estudar, pois sabia que o professor também não estava lá. E o professor não saiu para lecionar, pois sabia que não tinha mais nada para ensinar.
E o comandante não saiu para o quartel, pois sabia que o soldado não estava lá. E onde estava? Em greve.
Mas o ladrão saiu, pois sabia que o guarda não estava lá.
E arrombou lojas, impôs medo, avisou para não abrir as lojas, como aconteceu em Periperi e Itapoã. Fins dos tempos? Se olhos pudessem olhar com olhos mais longos talvez vissem o fim, talvez dos próprios olhos. Aonde (neste caso usa-se, em vez de onde, pois se trata de movimento, verbo de movimento) se pode chegar? Difícil. Assusta.
O que falta? Bom, no que se refere ao reajuste acordaram-se as partes. Porém não é definitivo, porquanto ainda consideram baixo o percentual de 6,5%. Mas as gratificações GAP4 e GAP5 tomaram maior dimensão.
É que representam valores, segundo informam as autoridades, que comprometeriam o orçamento fiscal, se não parcelados até 2015. É que a lei de responsabilidade fiscal limita em até 60% o gasto com pessoal. Os números não são abertos e ficam no anonimato. Apenas palavras e a turma não aceita e quer a grana já ou... “daqui a pouco”.
Não é demais lembrar que até 2014 teremos copa, mais eleições e os cofres precisam ficar sem regime. Quem sabe novos REDAS. Terceirizar certas atividades para sobrar mais adiante poderia ser opção, mas a turma da ética, da boa conduta, aqueles chatos honestos e corretos poderiam ser mais chatos e reclamar. Até ingressar em juízo. E o Ministério Público talvez quisesse melhor examinar a situação. Arriscado demais.
E se o Estado não cumprisse as promessas que hoje propõe? Complicado.
Todavia, há de encontrar-se um liame que se possa terminar o impasse, mesmo porque a greve foi declarada ilegal. E qual a ilegalidade? A razão dos lideres serem presos? Os advogados da Associação alegam não conhecerem os termos da decretação das prisões. Cerceamento de defesa? Ninguém fala. Psiu!
Não se consegue examinar de forma clara o que é ilegal. Com mais precisão, poder-se-ia afirmar ser inconstitucional. É imbróglio dos grandes.
À luz do Código Militar não se pode falar em greve. Não há previsão. E insubordinação, cabe? E desobediência?
No capítulo atinente à Insubordinação, o art. 163 do citado diploma legal determina o que seja insubordinação, “Recusar obedecer a ordem do superior sobre assunto ou matéria de serviço, ou relativamente a dever imposto em lei, regulamento ou instrução.”
Antes, no texto do art. 149 há determinação do que será ato de insubordinação, in verbis,
Reunirem-se militares ou assemelhados:
IV - ocupando quartel, fortaleza, arsenal, fábrica ou estabelecimento militar, ou dependência de qualquer dêles, hangar, aeródromo ou aeronave, navio ou viatura militar, ou utilizando-se de qualquer daqueles locais ou meios de transporte, para ação militar, ou prática de violência, em desobediência a ordem superior ou em detrimento da ordem ou da disciplina militar.
E mais ainda no art. 155 do mesmo diploma legal, “Incitar à desobediência, à indisciplina ou à prática de crime militar”.
E “fazer” ou participar de greve é desobediência ou insubordinação?
Neste instante, a Constituição Federal de 1988 passa por aqui e é salutar “pegar uma carona” e “viajar” em seu texto de modo sistemático, ou seja, analisar seus artigos que tratam direta ou indiretamente do assunto e se não há conflitos na legislação infraconstitucional (aquelas normas fora da CF/88) com o seu texto.
Do mesmo modo, cabe exame se o texto constitucional é conclusivo ou carece de outro texto legal para seu melhor entendimento. São as chamadas normas abertas constitucionais que precisam de outra lei, ordinária (menor quorum do Congresso) ou lei complementar, que exige maior número de congressistas para sua aprovação.
A Constituição é uma totalidade. Não um conjunto de enunciados que se possa ler palavra por palavra, em experiência de leitura bem comportada ou esteticamente ordenada. Dela são extraídos, pelo intérprete, sentidos normativos, outras coisas que não somente textos.
Os artigos 8º e 9º do texto constitucional abordam o direito de greve, mas não se referem ao funcionário público e menos ainda o militar. Não serve.
No artigo 37 encontram-se as “diretrizes” da greve, concernentes ao funcionário público. Admite-se que o policial militar seja um servidor público. E ali menciona que, in verbis,
“Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998).
VII - o direito de greve será exercido nos termos e nos limites definidos em lei específica; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998).”
Nota-se que a norma é daquelas abertas, ou seja, requer outra norma. Como se refere “definidos em lei” significa que deve haver lei ordinária. A CF/88 quando quer o fim fornece os meios. Esta lei ainda não existe, mas repousa em alguma das gavetas do Congresso Nacional faz mais de 3 (três) anos. E olha que a CF é de 1988. Parece brincadeira. E os caras já disseram que não adianta pressionar que não aprovarão nada nesse ano. Pode?
Se apenas analisada sob a ótica desse artigo 37 entende-se que, por falta de regulamentação, a greve seria possível.
Contudo, mencionou-se um pouco antes que o exame seria sistemático. E se disse que seria insubordinação ou desobediência se constasse em lei. E a lei não existe, porquanto não foi regulamentada, como determinou a CF/88, porém sem prazo para tal cumprimento. E a greve é desobediência ou insubordinação? Neste quadro, pareceria que sim, mas não é.
E nada mais se tem a “sistematizar”? Sim, ainda tem.
É que a Polícia Militar é equiparada, como entende a jurisprudência, às forças armadas. E regras precisam ser cumpridas. Além disso, é dominante nos tribunais que aqueles que usam armas não podem fazer greve.
Um exemplo do que seja equiparado. Incide no produto fabricado pela indústria o imposto denominado IPI – Imposto Sobre Produto Industrializado. O fato gerador do imposto (momento em que a lei determina quando se deve o tributo) entre outros, é a transformação, modificação. Portanto, aquele sujeito que enverniza a cadeira e vende é equiparado ao industrial, pode? Imagine o auditor da receita autuando o cara na rótula do aeroporto.
Bom, se há um dever em lei há de observa-se, assim, a lei. E que lei? Qualquer uma?
Alarga-se a visão sobre o texto constitucional e que parece definitivo.
Ao se estudar o artigo 142 do texto maior percebe-se que a greve do policial militar não encontra guarida.
De fato, o citado artigo impõe,
“Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.
§ 3º Os membros das Forças Armadas são denominados militares, aplicando-se-lhes, além das que vierem a ser fixadas em lei, as seguintes disposições: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998)
IV - ao militar são proibidas a sindicalização e a greve; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998). (Sem o grifo).
É de notar-se na leitura dos jornais de Salvador, ao ouvir as rádios e assistir os jornais nas emissoras de televisão que a greve foi promovida por Associação e não sindicato. A polícia civil, óbvio, tem tratamento diferenciado, quanto à sindicalização, mas parecido no que refere à greve, devido ao uso de armas.
Assim, a Constituição Federal de 1988 proíbe a greve da Polícia Militar.
Corroboram dessa opinião os ilustres ex-ministros do STF, o ex-presidente Aldir Passarinho e Carlos Veloso (defensor da capacidade contributiva, tema de monografia do missivista). É preciso escrever um livro sobre isto.
Para espancar e sangrar de morte qualquer dúvida, um pouco extenso, contudo elucidativo, porquanto analisa greve de policiais civis do Estado de São Paulo, parte do texto da Rcl 6568 / SP - SÃO PAULO - RECLAMAÇÃO. Relator(a): Min. EROS GRAU. Julgamento: 21/05/2009
Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Por unanimidade.
“Os servidores públicos são, seguramente, titulares do direito de greve. Essa é a regra. Ocorre, contudo, que entre os serviços públicos há alguns que a coesão social impõe sejam prestados plenamente, em sua totalidade. Atividades das quais dependam a manutenção da ordem pública e a segurança pública, a administração da Justiça --- onde as carreiras de Estado, cujos membros exercem atividades indelegáveis, inclusive as de exação tributária --- e a saúde pública não estão inseridos no elenco dos servidores alcançados por esse direito. Serviços públicos desenvolvidos por grupos armados: as atividades desenvolvidas pela polícia civil são análogas, para esse efeito, às dos militares, em relação aos quais a Constituição expressamente proíbe a greve [art. 142, § 3º, IV]. 4. No julgamento da ADI 3.395, o Supremo Tribunal Federal, dando interpretação conforme ao artigo 114, inciso I, da Constituição do Brasil, na redação a ele conferida pela EC 45/04, afastou a competência da Justiça do Trabalho para dirimir os conflitos decorrentes das relações travadas entre servidores públicos e entes da Administração à qual estão vinculados. Pedido julgado procedente.” (Sem o grifo).
O que chamou a atenção é que os sindicatos dos policiais civis tentaram, pasmem, e ingressaram com dissídio NA JUSTIÇA DO TRABALHO, embora funcionários públicos estatutários. Absurdo. O STF rechaçou, óbvio, também esta tentativa e julgou procedente a reclamação do Estado de São Paulo.
Percebe-se que o policial militar não pode entrar em greve. Como fará para ajuizar contra o Estado se este não cumprir o acerto, como, demais das vezes, é o que ocorre? Justiça comum, em uma das varas em cada cidade ou a Associação tem legitimidade para ingressar em juízo por aqueles que representa? É mais provável, porém sem definitividade. Carece de melhor estudo.
É matéria para muitas discussões. Por isso o impasse. Querem os grevistas que seja pago ainda este ano as gratificações, sob pena de novas e infindáveis negociações. O orçamento já está pronto e em curso. As despesas com pessoal determinadas conforme a lei de responsabilidade fiscal.
E se a justiça determinar o pagamento? Nada obriga ao pagamento neste ano. Não será desobediência se o Estado não quitar, pela chamada reserva do possível, “invenção” do STF para não obrigar o ente federativo a pagar o que estaria acima de suas possibilidades financeiras e legais. Não se pode prender o chefe do executivo, com base nisto. Cabe até outro post.
Não há se mencionar o reajuste absurdo, se outro nome não teria, que nossos legisladores, municipais e estaduais, se deram. É legal. Claro, foram eles que aprovaram a “lei”. Não faz parte da folha do executivo e não estão sujeitos à lei de responsabilidade fiscal.
E se a lei obrigasse a todos lerem este blog. Os anunciantes se digladiariam pelo espaço para anunciar. Seria beleza. E aí gente, dá para quebrar este galho?
Não se esgota o tema. É de grande abrangência. E o vento levou o bom senso!
Aprendi muita coisa que não sabia. Mas há gente que não quer paz e sim conflito. pode ser mais interessante para seu ego. É preciso afastar estas pessoas do local em que estão os grevistas na Assembléia. Excelentes informações. Parabéns.
ResponderExcluirParabéns, mesmo. Hoje no começo da noite, o site Globo.com publicou comentários do Ministro Marco Aurélio ministro do STF que parece que leu este artigo em seu blog. Fala da inconstitucionalidade da greve da PM na Bahia e menciona o art 142 da constituição. Idêntico ao seu. Também menciona a greve dos policiais civis em 2009 em São Paulo que o STF considerou inconstitucional. Cara, você acertou em cheio. Beleza.
ResponderExcluirGostei do texto. Bem elaborado e elucidativo. Os policiais em greve buscam pressionar, porque estamos perto carnaval.
ResponderExcluirÉ, o impasse é grande. Assisti um programa hoje em que o ex-ministro Carlos Veloso, citado no artigo, teme que a situação da greve dos PMs., possa chegar às forças armadas. Será o caos.
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